Funções vitais do nosso organismo como a regulação da frequência cardíaca ou tensão arterial dependem de uma divisão do sistema nervoso denominado sistema nervoso autónomo. Deste fazem parte o sistema nervoso simpático, responsável pela resposta a situações de perigo e o parassimpático, com função inversa. Um terceiro elemento do sistema nervoso autónomo, por vezes menos conhecido, é o sistema nervoso entérico, presente ao longo do tubo digestivo e que permite uma regulação parcialmente autónoma das suas atividades. O sistema nervoso entérico, por vezes denominado “segundo cérebro”, usa ainda neurotransmissores que comunicam com o sistema nervoso central. O eixo cérebro-intestino consiste, portanto, na comunicação bidirecional entre estes dois sistemas que permite a ligação de funções cognitivas e emocionais à atividade do sistema digestivo. Esta estreita interação justifica a potencial interferência do stress em inúmeros aspetos da função digestiva nomeadamente:
- Motilidade e Sensibilidade Digestiva: O stress poderá provocar alterações na sensibilidade e motilidade digestiva que conduzem a alterações do transito (diarreia ou obstipação) e dor. Estes são os sintomas cardinais da síndrome do Intestino Irritável, doença funcional do tubo digestivo que atinge cerca de 10% da população.
- Função e composição da microbiota intestinal. A microbiota intestinal corresponde ao conjunto de microrganismos vivos residentes no tubo digestivo e que têm um papel central na função digestiva, imunitária e saúde em geral. O stress está entre os fatores externos que conduzem a alterações da sua composição com potenciais consequências negativas na saúde.
- Doença de refluxo gastroesofágico: Evidência atual aponta para uma relação entre a exposição ao stress e a presença de sintomas de refluxo gastroesofágico e sua gravidade.
O carácter bidirecional da interação é espelhado também no impacto psicológico que as doenças digestivas apresentam, com redução da qualidade de vida (que poderá ser muito marcada) e presença de sintomas de ansiedade e depressão. Neste sentido, diversos tipos de psicoterapia (como a terapia cognitivo-comportamental, de relaxamento ou mesmo hipnose) poderão ser úteis no processo de restabelecimento de um melhor equilíbrio entre o cérebro e intestino, como melhoria da função de ambos os sistemas.
José Pedro Azevedo Rodrigues,
Secretário-geral do Núcleo de Neurogastrenterologia e Motilidade Digestiva da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia