Saúde Digestiva




Qual a alimentação que melhor preserva a saúde do intestino?

A alimentação é um componente fundamental da saúde e o aparelho digestivo engloba os mais importantes órgãos envolvidos na nutrição humana. É no intestino delgado que grande parte dos macronutrientes é digerida e absorvida para a corrente sanguínea, sendo o intestino grosso (cólon) responsável pela absorção de sais minerais, água e excreção de material orgânico não digerido. O cólon funciona ainda como um dos maiores reservatórios da microbiota humana, constituída por mais de 100 mil milhões de microorganismos (bactérias, vírus, fungos e leveduras), que residem em equilíbrio com o hospedeiro, influenciando a homeostasia digestiva e o estado de saúde.

A composição da microbiota (a nossa flora intestinal) apresenta significativa variabilidade individual, mas, em cada um de nós, tende a permanecer estável ao longo da vida, sendo influenciada por diversos fatores, entre os quais o tipo de parto, o aleitamento materno, a alimentação, vários tipos de medicamentos (antibióticos por exemplo) e diferentes doenças gastrintestinais. Sabe-se hoje que os desequilíbrios da microbiota e a alteração na proporção das espécies dos microorganismos contribuem para o desenvolvimento e evolução de várias doenças, sendo já um alvo terapêutico muito explorado.

O padrão alimentar dos seres humanos é altamente diversificado, estando dependente de fatores geográficos, culturais, religiosos e socioeconómicos. Na verdade, a dieta praticada por indivíduos asiáticos é completamente distinta da dieta dos países anglo-saxónicos, que por sua vez difere da dieta mediterrânea. Apesar de determinados alimentos poderem conferir risco acrescido no desenvolvimento de algumas doenças, a evidência científica da adoção de uma dieta específica para promover a saúde intestinal permanece maioritariamente empírica e baseada na experiência individual.

As indicações dietéticas devem passar por uma ingestão hídrica adequada (pelo menos 1.5l de água por dia) de forma a promover o trânsito cólico e evitar a obstipação. O consumo de carnes vermelhas deve ser equilibrado e a ingestão de produtos processados minimizada, uma vez que a digestão desses alimentos resulta na produção de substâncias nocivas que alteram a microbiota intestinal e induzem alterações genéticas nas células da mucosa do cólon, aumentando o risco de cancro. Alguns autores sugerem limitar o consumo de carne vermelha a um máximo de 200g por semana, não desprezando a sua importância como a principal fonte dietética de ferro. O consumo de alimentos ricos em fibra é também essencial para manter a saúde intestinal. Por norma, os alimentos contêm naturalmente uma mistura de fibras solúveis e insolúveis em água e ambos os tipos apresentam benefícios para a saúde.

As fibras hidrossolúveis permitem aumentar o conteúdo fecal, moldar as fezes e contribuir para a regularização do trânsito intestinal, apresentando benefícios tanto em doentes com diarreia como em doentes obstipados. São também responsáveis por aumentar a saciedade, reduzir a absorção de colesterol e outras gorduras e diminuir os níveis de glicose no sangue após as refeições. Os alimentos que possuem predominantemente este tipo de fibras incluem a fruta fresca, os legumes, a aveia, o arroz e a cenoura, podendo ser facilmente incluídas em refeições contendo sopa e saladas. Há um grande consenso quanto aos benefícios do consumo deste tipo de fibra. As fibras insolúveis além de aumentarem o volume fecal aceleram o trânsito intestinal sendo mais “irritantes” para a mucosa intestinal. Podem ser encontradas na casca da fruta, nos cereais e nos alimentos integrais, devendo a sua ingestão ser complementada com hidratação adequada. Algumas fibras alimentares funcionam também como prébióticos dado não serem absorvidas no intestino delgado e serem exclusivamente metabolizadas no cólon pela microbiota contribuindo para a proliferação e crescimento de espécies saudáveis com impacto positivo na nossa saúde. Por fim, os alimentos que contêm probióticos devem também ser incentivados.

Os probióticos são microorganismos vivos ou componentes de células microbianas que, quando ingeridos em quantidades suficientes, permitem reestabelecer e manter o equilíbrio da microbiota intestinal, sendo as espécies mais comuns os Lactobacillus e as Bifidobacterium que podem ser encontradas em alimentos como o leite fermentado e iogurtes.

Não obstante as medidas dietéticas supracitadas, várias outras alterações do estilo de vida contribuem para preservar a saúde do intestino. A manutenção do peso corporal saudável é essencial, uma vez que vários estudos demonstraram que o excesso de gordura visceral se associa a uma maior probabilidade de desenvolver cancro colorretal. A prática de exercício físico estimula a motilidade intestinal, além de contribuir para a diminuição do stress, o controlo do peso e a redução do risco cardiovascular e de cancro. A abstinência tabágica deve também ser incentivada dado o efeito conhecido do tabaco como promotor da carcinogénese. O consumo desregrado de bebidas alcoólicas é desaconselhado pois contribui para acelerar o trânsito intestinal e alterar a microbiota intestinal, podendo constituir um cofator indireto para o desenvolvimento de cancro colorretal.

Os principais sintomas que sinalizam uma eventual perturbação da saúde do intestino incluem a obstipação, a diarreia, a dor/distensão abdominal e a presença de sangue nas fezes. Em situações de patologia digestiva, tais como na síndrome do intestino irritável, a doença inflamatória intestinal (doença de Crohn e colite ulcerosa) com atividade mantida, a doença diverticular, a doença celíaca e as alergias/intolerâncias alimentares, a alimentação poderá ter de ser adaptada, devendo os doentes nestas situações serem acompanhados regularmente por profissionais experientes, nomeadamente gastrenterologistas e nutricionistas.

A preservação da saúde intestinal está assim dependente da adoção de medidas dietéticas, comportamentais e a adesão a programas de rastreio oncológico, sendo fundamentais na promoção da saúde e prevenção da doença. Todas as medidas sugeridas deverão fazer parte do quotidiano dos portugueses, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e redução dos custos em saúde.

Dr. Gonçalo Nunes,
Serviço de Gastrenterologia do Hospital Garcia de Orta
Secretário-Geral do Núcleo de Nutrição em Gastrenterologia da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia

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