Saúde Digestiva




O impacto da Doença Inflamatória Intestinal no Idoso

A DII pode apresentar-se em qualquer idade, exibindo um segundo pico de incidência na 6ª e 7ª décadas de vida. Estima-se que até 30% dos doentes com DII tenha mais de 60 anos, denominando-se de DII no idoso, e dividindo-se em dois grupos: os doentes com diagnóstico em idade mais jovem e que atingem os 60 anos e os doentes com diagnóstico realizado após os 60 anos.

Diagnóstico: vasto e com diversos atrasos

O diagnóstico diferencial da DII no idoso é vasto, levando a dificuldades e atrasos no diagnóstico. Tal poderá ser explicado pela maior prevalência de outras doenças que mimetizam a DII, bem como pela apresentação por vezes atípica. Contrariamente ao doente jovem, a doença de Crohn diagnosticada no idoso caracteriza-se por um predomínio de doença no cólon, associando-se a menos diarreia e dor abdominal e a mais sangue nas fezes; por sua vez, a colite ulcerosa no idoso origina menos perdas de sangue e dor abdominal que no doente jovem.

Quais as opções de tratamento e quais os seus objetivos?

Em qualquer doente, os objetivos do tratamento são a indução e manutenção da remissão, prevenção de complicações relacionadas com a doença e tratamento e melhoria da qualidade de vida. Os fármacos mais frequentemente utilizados são os aminossalicilatos (como a mesalazina), os corticóides, os imunomoduladores (como a azatioprina) e os biológicos (fármacos mais recentes e normalmente administrados de forma endovenosa ou subcutânea, como o infliximab, adalimumab, vedolizumab ou ustecinumab). No geral, a escolha da terapêutica depende da localização, gravidade e comportamento da doença; contudo, no doente idoso com DII, uma miríade de considerações têm de ser tidas em conta. Primeiro, a maioria dos ensaios clínicos exclui indivíduos com mais de 65 anos, levando a que decisões terapêuticas tenham de ser extrapoladas de estudos realizados em doentes mais jovens. Adicionalmente, a presença de comorbilidades e polimedicação, os efeitos da terapêutica, bem como limitações nas funções cognitivas e locomotoras são importantes cofatores.

As comorbilidades são frequentes neste grupo etário, influenciando o tratamento e eventos adversos. Doentes com diabetes mellitus e hipertensão arterial são mais vulneráveis aos efeitos secundários dos corticoides, enquanto alguns fármacos biológicos (como o infliximab) poderão não ser indicados em doentes com insuficiência cardíaca grave. Doentes idosos apresentam naturalmente maior predisposição para infeções, tornando-os mais suscetíveis a complicações infeciosas graves associadas à imunossupressão, e maior frequência de doença oncológica, levando a que determinados fármacos eficazes na DII devam ser evitados face ao risco de recorrência da doença oncológica; por outro lado, alguns agentes imunossupressores poderão condicionar um risco acrescido de neoplasia.

Como é ter DII numa idade avançada?

Em consequência da presença de outras doenças, relacionadas ou não com a DII, deparamo-nos não raramente com doentes sob múltiplos medicamentos. Muitos destes fármacos interagem com medicamentos prescritos para a DII, e, para além disto, poderão condicionar a adesão à terapêutica. Concomitantemente, o declínio natural nas funções renal e cardiovascular pode ter impacto no metabolismo dos fármacos, levando a desafios particulares.

O doente idoso com DII apresenta maior necessidade de utilização de cuidados de saúde, quer em ambulatório quer em internamento, que os doentes mais jovens, estimando-se que cerca de 25% das admissões hospitalares em doentes com DII seja em indivíduos com mais de 60 anos.

Por sua vez, estes doentes têm maior probabilidade de se encontrarem desnutridos, anémicos, desidratados e com maior probabilidade de necessidade de transfusões e de internamentos mais prolongados. Estima-se que cerca de 25% das cirurgias realizadas em doentes com DII seja em idosos.

Face ao exposto, e sobretudo no doente idoso, a abordagem e tratamento da DII deve ser holístico, tendo em consideração a fragilidade do indivíduo, e individualizado, tendo por base objetivos terapêuticos definidos caso-a-caso. Deste modo, num doente considerado frágil, com múltiplas comorbilidades e mobilidade limitada, o risco de complicações de intervenções médicas ou cirúrgicas pode ser mais elevado que num doente não frágil, sendo lícito, em alguns casos, privilegiar o controlo sintomático ao invés da prevenção das complicações da doença a longo-prazo.

Catarina Félix
Gastrenterologista no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental

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