A colangite biliar primária é uma doença autoimune do fígado caracterizada pela destruição lenta e progressiva dos pequenos ductos biliares dentro do fígado, e tem origem numa reação imunológica anormal em que o corpo ataca uma parte normal do seu próprio organismo, neste caso os ductos biliares, responsáveis por permitir o fluxo de bile do fígado, levando à sua destruição.
A destruição dos ductos biliares leva à má drenagem de ácidos biliares. Assim, os ácidos biliares extravasam os ductos biliares, resultando na lesão das células circundantes do fígado, o que causa inflamação, e pode levar, posteriormente, ao aparecimento de cicatrizes no fígado.
Trata-se de uma doença rara. Em Portugal, estima-se que possam existir cerca de mil doentes com colangite biliar primária, sendo que o diagnóstico desta doença tem aumentado ao longo das últimas décadas. Não se sabe, no entanto, se este aumento de diagnósticos está associado a um verdadeiro aumento da incidência da doença, ou pelo fato de os médicos estarem mais alertas para apresentação e diagnóstico da colangite biliar primária. É uma doença que afeta sobretudo mulheres, numa proporção de 9 a 10 mulheres por cada homem afetado, geralmente entre os 40 e os 60 anos de idade.
A maioria dos doentes não têm sintomas na fase inicial da doença. Quando estes se desenvolvem, os mais frequentes são a fadiga (cansaço) e o prurido (comichão).
O diagnóstico é, em grande parte dos casos, suspeitado após detecção de alterações das análises do fígado, nomeadamente da fosfatase alcalina e da gama-glutamil transferase (GGT). O anticorpo anti-mitocôndria está presente em 90 a 95% dos casos, e a sua detecção normalmente confirma a suspeita diagnóstica. A suspeita e/ou diagnóstico de colangite biliar primária é geralmente feita pelo Médico de Família, que posteriormente encaminha o doente para um especialista em doenças do fígado.
A colangite biliar primária não tem cura. No entanto, o tratamento com ácido ursodeoxicólico, que está recomendado para todos os doentes com colangite biliar primária, permite estabilizar a doença durante vários anos. Contudo, nem todos os doentes respondem a este tratamento, pelo que nestes a doença pode continuar a progredir. Nos últimos anos surgiram novas terapêuticas (como o ácido obeticólico e os fibratos) que podem ser úteis neste grupo de doentes.
Quando a colangite biliar primária é diagnosticada tarde, ou em casos em que não há resposta aos tratamentos, a doença pode evoluir para cirrose, e até complicar-se com o aparecimento de cancro no fígado, sendo que nestes casos a hipótese de cura para o doente é o transplante de fígado.
Rodrigo Liberal
Gastrenterologista